As palavras soltas de hoje estão ainda adoentadas. Custa, por vezes, acreditar, na fragilidade a que a condição humana está sujeita. Somos tão frágeis... Temos tanta falta de consolidação... Sempre que penso a sério nesta questão fico com arrepios. Somos tão dependentes de algo que não sabemos o que é ao certo que até assusta esta posição servil, genuflexa, ... esta posição de quem tem que aceitar esta condição e ponto! Vivemos à disposição desse algo que desconhecemos. Ora estamos vivos, ora morremos. Ora estamos com saúde, ora ficamos doentes. E, mais estranho é conseguirmos dormir com tamanhas incertezas, com um corpo que adormece cheio de promessas. E são só promessas... Promessas silenciosas de que o pior jamais irá acontecer. E é, então, que dou por mim ali deitada numa cama ou sentada num cadeirão. De um lado chama-me a enfermeira para me cateterizar, do outro lado chama-me o meu corpo que me pede descanso. Faço o esforço para poder ficar melhor. Ainda coloco-me nas mãos de outro humano na esperança de melhorar. De toda a doença desaparecer do meu corpo. Estar assim debilitada, à mercê de alguém ou de algo, de vereditos destes homens e mulheres de branco. São simpáticos e simpáticas. Fazem-me rir. Apesar de o meu corpo contrariar o meu riso ainda esboço um pequeno sorriso. Ao olhá-los a passarem de um lado para o outro pareciam-me meio deuses. O meu corpo estava na mão deles. O meu corpo e, por conseguinte, a minha alma. Estes médicos e enfermeiras são os juízes, os juízes neste processo judicial, os Reis e governantes nos palácios, ... Todos os seres humanos têm uma tendência natural para desejarem ser deuses. E, não podendo sê-lo em toda a parte, fingem sê-lo nos seus minúsculos quintais e hortas, onde decidem a vida e a sorte de animais, plantas e, até mesmo, de pessoas. Mas neste ambiente são um deus mais frio, mais sem saber sobre tudo e todas as coisas, sem o poder absoluto e supremo. E, assim, as pessoas descansam como que depositadas. Umas em melhores condições, outras em piores condições, mas todas com um cheiro a éter, com um cateter e com uma outra marca no corpo, visível ou invisível. Quando estas marcas não são feitas pela vida, acabam por ser feitas pelos médicos. Todas as pessoas querem sair dali. Umas preferindo morrer e cessando, assim, a sua dor. Outras, quase todas, preferindo um pouco mais de tempo nesta vida. Algumas para sofrer mais, mas, quase todas, querem mais tempo. E se esse tempo puder ser de qualidade melhor ainda! Parece que voltamos a usar fralda. Eu senti-me assim. Senti que era novamente um bebé. Eu não queria mais soro mas tive que manter-me a soro porque a médica assim o quis. Eu não queria mais aquele cateter que não me deixava descansar mas nenhuma enfermeira estava autorizada a tirar-mo sem ordens da médica. Eu queria vir para casa mas a médica disse que ainda tinha que aguardar que o saco do soro terminasse. Se quisesse ir ao quarto de banho tinha que pedir. Se quisesse comer tinha que pedir. Mas, mesmo que pedisse para comer, não podia ainda fazê-lo. Numa questão de segundos regredimos até à nossa fase primordial. Mas o pior é que nos sentimos órfãos em mãos de mães desconhecidas. Não lhes conhecemos o cheiro, nem o som da sua voz. Depois de ali estar algum tempo já começamos a reconhecer a voz. Mas estas mães e pais não nos embalam nem nos cantam canções de ninar. Incomodou-me a total perda de privacidade. E não podia protestar. Tiram-nos tudo, sangue, sono, privacidade. E tudo para ficarmos curados, para podermos voltar para casa. Espero que, tão cedo, a minha saúde não me volte a trair e não me faça ter que voltar a ficar tão dependente destes bondosos e cheios de boas intenções generais de estetoscópio ao pescoço. Mas que a minha alma não se esqueça por cada segundo o que cada pessoa, mesmo que desconhecida, passa em dor ou em doença, que, mesmo quando está a ser tratada, se está a maltratar. Que a minha alma se lembre eternamente da dor da dependência, da incerteza, da fragilidade. Que nunca se esqueça do cheiro a éter, do cheiro a hospital, da sensação de não sabermos se vamos ter alta, se vamos ser operados ou não, da medicação através do cateter, do tempo de espera pelos resultados e da insónia desesperante a contar as gotas de soro que caem. Que nunca a minha alma ouse esquecer a culpa por saber que muitos, mas mesmo muitos, queriam esta miserável condição mas encontram-se pior ainda, talvez na penúria mesmo. E eu a querer reclamar mais da vida, da dor que me foi concedida, mas se olhar em volta sinto-me afortunada, mesmo na hora mais desgraçada. Não somos mesmo nada. Somos uma efémera imagem, uma vida volátil. E andamos nós eretos! Nós somos tudo menos eretos! Nós somos curvos! Nós somos totalmente curvos! Curvos e frágeis, e fracos! Mas isto são outras palavras soltas. Ana Reis
The words I'll write today still sick. Sometimes It's hard to believe in the weaknessof the human condition. We
are so fragile... We have such a lack of consolidation... Whenever I
think about this I have chills. We
are so dependent on something that we don't know what is that scares me this servile and crouching position... this
position who has to accept this condition and point! We live at the disposal of that something unknown. Now we live, sometimes we die. Now we are healthy, then we get sick. And how strange is we have the capacity to fall asleep with such large uncertainties, with a body that falls asleep full of promises. And it's only promises... And it's silent promises that the worst will never happen. And it is then that I find myself lying there in a bed or sitting in a chair. On one side the nurse calls me to catheterize me on the other side my body calls me asking me rest. I make the effort to be able to get better. I still put me in the hands of another human hoping I get better. Hoping that all this disease disappear from my body. And being so poor, at the mercy of someone or something, the verdicts of these men and women in white. They are friendly and nice. They make me laugh. Although my body counteract my laughter I still sketch a small smile. When I look at them, they move from one side to the other, they looked like half gods. My body was in their hands. My body and, consequently, my mind. These
doctors and nurses are judges, judges in this court case, the kings
and rulers in palaces, ... All human beings have a natural tendency to
want to be gods. And if they can't be so everywhere, they start pretending to be so in their backyards and
tiny gardens where they decide the life of animals, plants and
even people. But
in this environment they are a colder God, without knowing more about
everything and all things, without the absolute and supreme power. And so people rest as they deposited them. Some in a
better place, others in worse conditions, but all with a smell of ether, with a
catheter and another mark on the body, visible or invisible. When these brands are not made for life, end up being made by doctors. All people want to leave that place. Some preferring to die and thus stopping his pain. Further, almost all, preferring a little more time in this life. To suffer some more, but almost all want more time. And if that time can be with better quality even better! It seems that we start to use again diaper. I felt like that. I felt I was a baby again. I didn't want more serum but I had to keep me on a drip because the doctor wanted it. I no longer wanted the catheter that wouldn't let me rest but no nurse was authorized to take it out without the orders of a doctor. I wanted to come home but the doctor said I still had to wait for the bag of saline over. If I wanted to go to the bathroom I had to ask. If I wanted to eat I had to ask. But even if I asked to eat, I couldn't do it. Within seconds we got back to our primordial stage. But the worst is that we feel orphaned in the hands of unknown mothers. We don't know their smell, or the sound of their voices. After being there some time we started to recognize their voices. But these mothers and fathers don't pack us or sing the lullabies. It bothered me the total loss of privacy. And I couldn't protest. They take from us everything, blood, sleep, privacy. And all of this is for our healed, so we can go home. I
hope, that soon, my health doesn't betray me again and not make me
have to come to be so dependent on these kind and full of good
intentions generals with stethoscope around his neck. But that
my soul won't even forget for every second that every person, even
though unknown, going through pain or illness that, even when being treated,
it is mistreated themselves. That my soul forever remember the pain of dependency, uncertainty, fragility. That my soul
never forget the smell of ether, the smell of the hospital, the
feeling of not knowing if we will go home or not, if we won't need a cirurgical intervention, the medication through the catheter, the waiting time for
results and the desperate insomnia counting the drops of serum falling. That never my soul dares to forget the guilt of knowing that many, but even many, people wanted this miserable condition but they are worse, perhaps even in penury. And
I used to complain more of life, the pain that was given to me, but
if I look back I feel fortunate, even in the most miserable time. We aren't anything really! We are an ephemeral image, a volatile life. And we walked upright! We are everything except erect! We are curved! We are totally bent! Curved and fragile, and weak! But these are another kind of words. Ana Reis
Era uma vez... (ou podiam ser duas ou três) Uma velha que vivia dentro de um sapato. Mas não era um sapato qualquer! Era uma bota com alguns remendos a descoser. A morada dela era como que encantada e bela. Nas cartas que costumava escrever podia ler-se: Rua Sapato-bota, número quarenta e meio, Uma velha ao vosso serviço sem medo do alheio. Quando a primavera se lembrava de aparecer todos paravam para ver O jardim maravilhoso que aquela bota tinha. Tinha árvores e flores sem fim, E cheiros maravilhosos que se espalhavam por todo o jardim! O portão era pequeno e engraçado e estava um pouco enferrujado. O seu ferro foi envelhecendo com o passar do tempo. E sempre que o abriam era possível saber Quem lá entrava pelo barulho que ele costumava fazer. E o seu telhado era um pouco inclinado. As suas paredes já estavam um pouco gastas do tempo. E a porta estava sempre aberta para quem quisesse lá entrar. E muitos eram os que queriam a velha visitar! No seu...
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