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Palavras soltas (16/06/2014 - Morte/Death)




Fotografia: Ana Reis; Local: Comboio - Ermesinde/Valongo



As palavras soltas de hoje estão perdidas. Completamente perdidas no tempo e no espaço. Todos nós temos dias assim. Uns dias melhores... outros menos bons. Lembremo-nos de uma coisa muito importante. Quando nós estamos em baixo existe sempre alguém em cima. Quando nós estamos mal existe sempre alguém bem. E eu fico feliz por essas pessoas. Fico feliz porque ninguém tem culpa. Nos dias em que me sinto ótima também existem pessoas mal e, no entanto, algumas delas, não me desejam mal nenhum. Algumas delas, talvez sejam todas, nem sabem que eu existo. Nós assombramos a morte. A morte também tem as suas assombrações. Nós estamos constantemente, diariamente, a incomodá-la. Chego a ter pena dela. Podem chamar-me de doida. E até podem dizer-me que ela não tem pena de mim. Que ela não tem pena de ninguém. Mas acredito que sim. Acredito que ela até tem sentimentos. Que, por vezes, não acha justo. Mas tem que ser. E o tem que ser tem mesmo muita força. Mais força do que a própria morte. Como é que imaginam a sua roupa? Eu acho que ela não se veste de preto. Porque tem que ser o preto a cor da morte? A morte deve ter a cor do arco-íris. Eu nunca a vi mas algo me diz que é mais colorida do que a própria vida. Eu não tenho medo dela. Ela já não me assusta. Acho que o que me assusta mais é o facto de ela já não me assustar. Seria normal sentir-me mais confiante. E sinto-me. Mais segura. E sinto-me. Seria normal... mas o que é, afinal, ser normal? A morte já não me assusta. Deixou cair a sua máscara. Deixou revelada a sua verdadeira face. A morte só consegue assustar-me nos outros. No dia em que ela resolver vir buscar-me vamos festejar as duas. Vamos beber um copo ou, talvez, dois ou mais! Vamos dançar até cairmos para o lado de cansadas. Será que a morte também se cansa? Será que a morte também fica bêbada com uns quantos copos? Tenho que lhe perguntar assim que estejamos juntas. Tenho que falar com ela. Quando a encontrar vamo-nos sentar num banco de jardim ou numa simples manta na relva e conversar. Ter longas conversas. Mas daquelas conversas mesmo intermináveis. A morte já não me assusta. Será que ela caminha ou flutua? Será que traz uma foice consigo? Eu acho que a morte caminha como se flutuasse. Com passos muito suaves. Com passos muito leves. E, quanto à sua foice, não acredito que a traga consigo. Porque andaria ela com uma foice? Só se ela trabalhar no campo no cultivo de cereais. Quiçá a morte tem uma quinta ou um pequeno quintal. Quiçá tem árvores de fruto e um campo cheio das mais belíssimas flores. A morte já não me assusta. Ela andará de vestido ou de saia ou de calças? Não sei mesmo... Mas imagino-a com um longo vestido. Tão longo que deixa um rasto pelo chão por onde passa. Um rasto nada sombrio. Deixa um rasto como se se tratasse de purpurinas. A morte também gosta de brilhantes, purpurinas, e tudo o que lhe dê brilho e ilumine as suas maravilhosas cores. Talvez seja difícil para vocês imaginarem-na assim. Mas é assim que eu a vejo porque a morte já não me assusta. A morte já não é um pesadelo na minha vida. Não é o fim da linha de comboio. Não é o fim mas, sim, o princípio. Para mim a morte é muito mais complexa do que a vida mas de forma diferente. A morte já não me assusta e a vocês? Mas isto já são outras palavras soltas. Ana Reis



Fotografia: Ana Reis; Local: Train - Ermesinde/Valongo



Today my words are lost. They are completely lost in time and space. Everyone have days like that. Some good days... some less good. But we must remember one very important thing: when we are down there is always someone on top. When we feel bad, there is always someone feeling good. And I feel glad for them. I feel glad because nobody is guilty. When I feel great there are always somebody feeling really bad, however, some of them, don't want me to be like them. Some, perhaps all, don't even know that I exist. We haunt death. Death also has its hauntings. We are constantly, daily, bothering it. I can tell you that I feel pity for it. You can call me crazy. And you can tell me that it doesn't feel any sorry for me. It has no pity for anyone. But I believe that it has. I believe that it has feelings. That sometimes, it thinks it's not fair. But it has to be. And what has to be has a lot of strength. More strength than death. How do you think its clothes are? I don't think it wears black. Why does black need to be the color of death? I think that death has the colors of the rainbow. I've never seen it but something tells me that it is more colorful than life. I'm not afraid of it. It no longer scares me. I think that what scares me the most is to know that she no longer scare me. I think I would feel more confident. And I am. Safer. And I am. It would be normal... but, after all, what's normal? The death no longer scares me. It dropped its mask. It left revealed its true face. The death can only scare me in others. On the day it decides to come and take me we will celebrate together. We will drink one or maybe two or more cups! We will dance till we fall to the ground of exhaustion. Does death also get tired? Does death also get drunk with a few cups? I have to ask it when we are together. I have to talk with her. When I meet death we will sit on a park bench or on a simple blanket on the grass and talk. We will have long conversations. But we will have those endless conversations. The death no longer scares me. Does it walk or float? Does it bring a sickle? I think that death walks as if she were floating. With very soft footsteps. With very light footsteps. And what about its sickle..., I don't believe that it brings it. Why would it walk with a sickle? Maybe it works in the field in the cultivation of cereals. Perhaps death has a farm or a small yard. Perhaps it has fruit trees and a field full of the most beautiful flowers. The death no longer scares me. Does it walk dressing a dress or a skirt or pants? I don't know... But I imagine it with a long dress. So long that it leaves a trail across the floor wherever it goes. A not shady trail. It leaves a trail like it was purpurins. Death also likes bright, purplish, and everything that makes shine and brighten to its wonderful colors. It could be hard for you to imagine it like I'm describing. But that's how I see it and the reason why death no longer scares me. Death is no longer a nightmare in my life. It isn't the end of the railway line. It isn't the end but the beginning. For me death is much more complex than life but in a different way. Death no longer frightens me and you? But these are already another kind of words. Ana Reis

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