Avançar para o conteúdo principal

Palavras soltas (24/02/2014Bipolar)

Hoje as palavras soltas serão inconstantes. E até um pouco intemperamentais. Tal como eu. Hoje não estou para palavras soltas felizes mas algumas vão soar como tal. Hoje foi a segunda etapa complicada desta nova fase da minha vida. Já não durmo nada há 3 ou 4 dias. Mas ainda assim a minha cabeça teima em não querer dormir. Antes de entrar observei a sala de espera. Estávamos mesmo muitos num espaço tão pequeno. Uma senhora, que pareceu-me estar a fazer ou ter feito quimioterapia, sorriu para mim. E eu retribuí o sorriso. O nosso sistema nervoso é mesmo engraçado. Não estávamos lá por um motivo feliz, muito pelo contrário, e eu sentia-me e sinto-me bastante triste mas consegui, ainda assim, retribuir o sorriso de forma verdadeira. Deve ter sido dos nervos. Depois olhou para mim e disse-me: "-O meu marido deve estar a chegar." E chegou. Confessou que já havia sido operada muitas vezes e que desta vez o médico que nem pensasse em operá-la. Já está cansada de tantas operações. E dizia-me que estava muito ansiosa para saber o resultado do exame. E eu disse-lhe que a ansiedade não mudaria o resultado e por isso deveria acalmar-se. Mas nem eu estava a acreditar no que dizia. Olhando bem para todas aquelas caras, todas elas mostravam uma certa ansiedade. E olhei para a porta por onde saíam as pessoas depois de consultadas e algumas caras vinham cheias de lágrimas, outras a transbordar sorrisos. Algumas pessoas estavam em cadeiras de rodas. Outras tinham amputado uma perna. A única alegria que senti naquela sala foi a ingenuidade daquela senhora. Apesar de muito doente achava que o Midazolam era uma anestesia fraquinha. E eu expliquei-lhe que era só para acalmar e dormir um pouco. Ela olhou-me nos olhos e manteve a sua ideia: "-Pois, é uma anestesia fraquinha. Só pode ser uma anestesia fraquinha.". Tentei então distinguir um anestésico de um ansiolítico/sedativo/hipnótico e disse-lhe que com a anestesia ela não sente um toque no braço ou na perna mas com o Midazolam sente na mesma. Olhou-me novamente. Fiquei com esperanças que fosse desta vez que ela compreendesse, mas a sua expressão mudou e eu apreendi que a dúvida persistia. Foi aí que ela disse-me: "- Pois mas se ela dormiu a tarde toda é porque lhe deram uma anestesia fraquinha.". E eu desisti. E disse que sim com ela. E ela voltou a sorrir. Sorri-lhe. E a conversa manteve-se até eu sentar-me e ela entrar para a consulta. Queria ter-me despedido dela mas desencontrámo-nos. Entrámos. A nossa cara devia ser tão assustadora que o médico resolveu quebrar o gelo e riu-se. Rimo-nos também. Saímos e viemos mais aliviadas. Eu vim carregada com um fardo. Um fardo que se mantém no mesmo sítio. Afinal vamos ter uma terceira etapa. E quem sabe algumas mais. A alegria, que deveria ser alegria, neste momento é toda tristeza. Sinto-me bipolar. Ontem extremamente feliz para enganar meio mundo e hoje extremamente desanimada para desanimar a outra metade. Que a próxima etapa seja, pelo menos igual a esta. Mas isso já são outras palavras soltas.

Ana Reis

 
"Today the words are fickle. And even a little intemperamental. Like me. Today I'll not write happy words but some of them will sound as such. Today was the second stage of this complicated new phase of my life. I haven't slept anything for 3 or 4 days. But my head still insists on not wanting to sleep. At the waiting room I looked around to see around. We were so many people in such a small space. A lady who seemed to be doing or have had chemotherapy smiled at me. And I returned the smile. Our nervous system is such a funny thing. We weren't there for a happy reason, quite the opposite, and I felt and I feel quite sad but I could smile back at her truthfully. It must have been nerves. Then she looked at me and told me: "-My husband should be here in a minute." And he came. She confessed that she had already undergone surgery for too many times. She is tired of so many operations. And she told me that she was very anxious to know the result of the examination. And I told her that anxiety would not change the result so she should stay calm. But I wasn't believing in what I said to her. Everyone in that room showed some anxiety. And I looked at the door through which people came out after consultation and some guys came filled with tears, others overflowing smiles. Some people were in wheelchairs. Others had a leg amputated. The only joy I felt in that room was the naivety of that sweet lady. Although she is very sick she thought that Midazolam was a feeble anesthesia. And I explained to her that it was just to calm down and get some sleep. She looked at me in the eye and kept her idea: " - Yes, ti's a feeble anesthesia. It can only be a feeble anesthesia. ". Then I tried to distinguish an anesthetic for an anxiolytic / sedative / hypnotic and I told her that with the anesthesia she doesn't feel a touch on the arm or on the leg but with Midazolam she feels everything. She looked at me again. I was hoping that she finally understood, but her expression changed and I seized that doubt persisted. And she told me: " - Yeah but if she slept all afternoon it's because she have made a feeble anesthesia. " . And I gave up. And said yes to her. And she smiled again. I smiled at her. And the conversation continued until I sit down and she gets to the doctor. I wanted to say goodbye to her but we missed each other. We entered. Our facial expressions must be so frightening that the doctor decided to break the ice and laughed. We laughed too. We left and came more relieved. I came loaded with a burden. A burden which remains in the same place. After all we have a third stage. And maybe a few more. The joy that should be joy, this moment is all sorrow, sadness. I am bipolar. Yesterday extremely happy to deceive half of the world and today extremely discouraged to discourage the other half. I hope the next step is at least equal to this. But it is already another kind of words." Ana Reis

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A Velha que vivia num sapato (Versão portuguesa (portuguese version))

Era uma vez... (ou podiam ser duas ou três) Uma velha que vivia dentro de um sapato. Mas não era um sapato qualquer! Era uma bota com alguns remendos a descoser. A morada dela era como que encantada e bela. Nas cartas que costumava escrever podia ler-se: Rua Sapato-bota, número quarenta e meio, Uma velha ao vosso serviço sem medo do alheio. Quando a primavera se lembrava de aparecer todos paravam para ver O jardim maravilhoso que aquela bota tinha. Tinha árvores e flores sem fim, E cheiros maravilhosos que se espalhavam por todo o jardim! O portão era pequeno e engraçado e estava um pouco enferrujado. O seu ferro foi envelhecendo com o passar do tempo. E sempre que o abriam era possível saber Quem lá entrava pelo barulho que ele costumava fazer. E o seu telhado era um pouco inclinado. As suas paredes já estavam um pouco gastas do tempo. E a porta estava sempre aberta para quem quisesse lá entrar. E muitos eram os que queriam a velha visitar! No seu...

Palavras Soltas (01/04/2014 Dinâmica de grupo: O Abrigo Subterrâneo)

As palavras soltas de hoje vão falar de memórias. Hoje estive a arrumar o meu sótão, em todos os sentidos, e consegui encontrar as coisas mais maravilhosas por lá perdidas e, algumas, esquecidas. Vou tentar partilhar convosco algumas delas ao longo do tempo, pelo menos as mais relevantes e, de certa forma, engraçadas. A memória de hoje vai para o meu último ano de Licenciatura. Tinha uma disciplina com o nome Dinâmica de Grupos que era bastante interessante por interagíamos muito uns com os outros e tentávamos funcionar como um grupo. Acho que foi um bom trabalho para aprendermos a trabalhar em equipa. Se bem que na prática as coisas não são tal e qual a teoria. Um dos desafios que nos foram lançados ao longo do semestre foi a dinâmica: O Abrigo Subterrâneo. E vou lançar-vos o desafio também. "Imaginem que uma cidade no mundo está sob ameaça de ser bombardeada. Aproxima-se um homem de nós e solicita-nos que tomemos uma decisão imediata. Existe um abrigo subterrâneo que só pode...

Regressos / Returns

  As palavras soltas de hoje falam sobre regressos. Já há muito tempo que não as escrevo. E tanto tempo há que vocês não as leem. Por isso, hoje, resolvi escrevê-las. Estas pequenas palavras. Livres. Soltas. Tal como sempre vos habituei. E regressar traz sempre um sentimento agridoce. Tanto de excitação como de medo. As palavras soltas têm destas coisas. Sempre que escrevo deixo que seja o meu cérebro a comandar as minhas palavras. Ou serão as minhas palavras que controlam o cérebro?! Lidar com os pensamento enquanto escrevo é obrigatório. Não tenho escapatória possível. E, assim, regresso. Regresso ao meu mundo. Aquele mundo onde escrevo e desenho. Alio duas áreas da criatividade que sempre amei. E não me importo de viver aqui. Neste meu mundo de criatividade. Sinto-me abraçada sempre que o faço. Escrever. Desenhar. E regressar. Bem-vindas queridas palavras soltas! Que este seja um regresso para ficar. Bem, mas estas já são outras palavras soltas. Today's words will talk about ret...