Fotografia por Ana Reis. |
As palavras soltas de hoje não podiam ser mais verdadeiras. Mais verdadeiras como em todas as outras vezes. As palavras soltas de hoje não podiam ser mais elas próprias. Mais intrínsecas. Mais eu. E sou eu, eu mesma, tal qual o resultado final de todo o processo construtivo de mim mesma. Uma espécie de acessório de moda ou de um outro género qualquer. Ou, talvez, um mero sobresselente de mim mesma. As palavras fluem tal e qual como são e como eu sou. São aquilo que são em mim e que eu me faço ser nelas. Sou eu. O que fui ou o que não fui, tudo isso resume-se no que sou hoje. O que quis ser ou não quis ser, tudo isso é agora uma parte integrante da minha personalidade, do meu eu, do que eu sou agora. Quem amei ou deixei de amar não é mais do que a parte emocional que hoje faz parte de mim. Sou eu. E, em simultâneo, pareço uma utopia que tem por base uma mistura de realidades. Ou uma comoção, um pouco ínfima, diminuta, por acordar desta utopia na escuridão e pensar que, afinal, existe alguém melhor do que eu em mim. Alguns dias parece que acordo sem ter vivido essa utopia de mim e tenho um acordar doloroso, custoso, como se tudo o que sempre desejara tivesse falhado, como se tudo se tornasse numa bola de neve, numa avalanche sem fim, como se houvesse ainda em mim qualquer coisa que poderia, ou deveria, ter sido substituída algures. Chega de pensamentos! Concluo, muitas das vezes, que mais vale ser criança do que tentar, sem qualquer resultado, entender o mundo. As nossas sandes de pão com manteiga ou de chocolate para barrar e os nossos brinquedos favoritos. A vontade enorme de soprar o ar quente dos nossos pulmões para um vidro somente para poder desenhar depois alguma coisa sem qualquer sentido para os outros. De encostar a testa à janela enquanto pensamos em nada. Numa chuva forte lá fora sem lágrimas de dôr que tanto custam a absorver. Chega de pensamentos! Sim, chega de pensamentos! Sou eu. A permutada, negada, a escolhida, o palhaço triste com um fato emprestado, aquela a quem, inúmeras vezes , soam as sirenes na cabeça como se fossem uns chocalhos. Sou eu mesma. Sou eu. Uma síncope humana indecifrável. Sou eu mesma. Sou eu. E mais do que isto poderei, ou não, um dia vir a ser. Mas isto já são outras palavras soltas. Ana Reis
Photography by Ana Reis |
Today my words today couldn't be more true. More true like all other times.Today my words couldn't be more themselves. More intrinsic. More me. And I am what I am, myself, as result of an entire process of construction. A kind of fashion accessory or any other kind of thing. Or, perhaps, a mere spare of myself. My words flow just like they are and how I am. They are what they are in me and what I make me be in them. And I am what I am. What I was or what I wasn't, it all boils down to what I am today. What I would be or what I wouldn't be, it's all now an integral part of my personality, of my self, what I am now. Who I loved or who I stopped loving is not more than all the emotional part that is now part of me. I am what I am. And at the same time I look like an utopia which is based on a mixture of realities. Or a commotion, a little tiny, too tiny, to wake up from this utopia in darkness and think, after all, that there is in me someone better than me. Some days it seems that I wake up without having lived this utopia of me and I fell painful as if everything that I always wanted failed, as everything suddenly becomes a snowball in an endless avalanche, as if I had something in me that could, or should, have been replaced in the past. No more thoughts! I conclude, often, it is better to be a child than trying, without any result, to understand the world. Our sandwich made with bread and butter or chocolate and our favorite toys. The urge to blow the hot air out of our lungs into a glass only to draw something without any sense to others. Of touching the forehead to the window while we think of anything. A strong rain outside of the house without tears of pain that cost too much to absorb. No more thoughts! Yes, no more thoughts! I am what I am. The exchanged, the denied, the chosen, the sad clown with borrowed clothes, that to whom, countless times, sound the sirens in the head as if they were rattles. I'm the same. I am what I am. An indecipherable human syncope. I'm the same. I am what I am. And more than what I am I can, or not, one day be. But these are already another kind of words. Ana Reis
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